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Nenhum professor está isento de ser mal interpretado pelo aluno de cabeça dura. Temo que Safatle é o aluno que, exatamente nessa linha, injustiçou seu professor.

Em um artigo no jornal El País, ele adere à defesa do identitarismo acrítico, e se insurge contra a filosofia ocidental. Elevando a si mesmo como alguém capaz de autocrítica, para se locupletar com o auto-aplauso, ele faz a seguinte declaração: “demorou muito tempo até que eu percebesse o quanto a pretensa especificidade da filosofia ocidental era um dos mais brutais dispositivos coloniais já inventados”. É uma frase que nos deveria soar alvissareira. Posso pensar: ufa! Safatle não vai mais lidar com filosofia, finalmente estamos livres de seus escritos entendiantes e confusos! A vergonha alheia está encerrada! Mas duvido que ele nos dará esse alívio. Logo ele verá que o pensamento de ameríndios e outros “índios” não lhe trará muito coisa para dizer, e continuará tentando, infrutiferamente, filosofar por meio da tal “filosofia ocidental” como “dispositivo colonial”. Mas, no momento, neste artigo citado, Safatle entende que foi enganado pelo seu professor. Vejam só:

  • “Quando ainda era estudante de filosofia, lembro de um colega perguntar a um professor sobre a razão pela qual não estudaríamos, em nosso curso, filosofia chinesa, indiana, africana, entre outros. “Simplesmente porque não há”, foi a resposta. Em todo lugar que não tivesse sido marcado pelo “milagre grego” o que haveria era a prevalência do mito. Razão, logos, era uma invenção grega que nos havia salvo, “nós, os ocidentais”, da cegueira do pensamento mítico e de seus limites à autorreflexão.” (El País, Identitarismo branco, 04/09/2020)

Não sei quem foi o tal professor. Mas pode muito bem ter sido Marilena Chauí, por exemplo. Pois no Convite à Filosofia a veterana professora diz exatamente isso: “a filosofia é grega”, e explica a relação da filosofia com outros pensamentos. Todavia, tenha sido ela ou não, o fato é que, muito provavelmente, o que o professor do Safatle quis dizer é algo que um bom aluno poderia ter entendido. Quando dizemos, todos nós – Marilena Chauí, eu e tantos outros professores de filosofia da velha guarda – que não existe outra filosofia que não a grega, isso se deve à nossa própria definição de filosofia. A nossa definição é grega. Mas não por escolha. É que não existe outra definição. Os gregos inventaram a palavra “filosofia” e com ela expuseram um modo específico de união entre teoria e práxis. Não é que outros povos não possam lidar com a razão, ou algo parecido. Seria uma bobagem pensar assim e é difícil que o professor do Safatle estivesse advogando tal coisa. É que outros povos não articularam teoria e prática, ou, quando assim fizeram, não deram a especificidade como aquela criada pelos gregos, e que eles e só eles chamaram de filosofia. Os gregos criaram a filosofia como alguma coisa que une a vida ético-moral a uma reflexão que implica em dar justificativas para esta vida, em termos diretos e em termos indiretos. O pensamento típico chinês, por exemplo, sempre se interessou pela vida ético moral, mas jamais necessitou de qualquer justificativa teórica – de cunho metafísico, por exemplo, para que uma tal vida fosse adotada, levada a sério e assumida com a “vida boa”. Em outras palavras: muito do que se pode chamar de filosofia não-ocidental está mais para religião do que para a filosofia como o que os gregos fizeram.

Dizer que essa especificidade tem a ver com um projeto de dominação é simplesmente querer rasgar o diploma de filosofia de todo e qualquer bom professor de filosofia, a começar pelo da Marilena Chauí.

O colega de Safatle talvez tenha aprendido a lição do professor. Safatle não aprendeu. Passou anos achando que aprendeu e, quando acordou veio até nós para confessar que só agora havia compreendido, mas assim fazendo nos deixou o testemunho claro de que agora é que ele não entendeu nada mesmo!

Mas por que Safatle não entendeu? Por que ele é burro? Bem, talvez a gente possa dizer que o problema dele seja o de absorver ideologias demais por conta de uma prática política de menos. Como a prática politica dele é sempre um tanto estreita, ele acaba por produzir textos em que essa prática o atropela. Eu já denunciei isso nele várias vezes. Ele quer de toda maneira defender os “fracos e oprimidos”. Sendo rico, morando bem, vestindo e comendo bem, parece que ele só consegue viver se adere a teses mais esdrúxulas da esquerda, aquelas teses que revela assexualidade, ou seja, uma vida descarnada. Então, aderindo ao identitarismo, que tem dificuldade de compreender a dialética entre o universal e o particular, ele acaba confundindo a importância de civilizações (derrotadas pelas armas do Ocidente) com a posse ou não de algo chamado filosofia.

Os povos que não tiveram filosofia não são diminuídos por isso. Só Safatle pensa assim. Eles tiveram cultura pujante. E foram massacrado não por um projeto ideológico da filosofia, mas por ideologias que foram criticas pela filosofia ocidental. Mas Safatle está sempre inovando na mesma direção e, nesse afã, sempre errando mais.

Talvez tenhamos de dizer, de fato, que quem chama o pensamento de outros povos de filosofia, este sim é aquele que está trabalhando no sentido colonialista, pois hipervaloriza a filosofia e só concede status a outros povos se eles tiverem filosofia, ou seja, se eles tiverem feito o que os gregos fizeram. Mas eles não fizeram. Fizeram outra coisa, e devem ser valorizado pelo que fizeram e não pelo que não fizeram. Achar que a relação peculiar grega entre razão prática e razão teórica,que é a filosofia na acepção grega, é o mesmo que chamar o refrigerante que buscou imitar a Coca Cola na União Soviética era a Coca Cola Soviética. Não, era simplesmente o refrigerante soviético na busca de imitação dos costumes ocidentais.

© 07/09/2020 Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]