Publicado na Folha de São Paulo 17 de agosto de 2011
Philia, eros e ágape, são três palavras gregas para o amor. A primeira delas, entre outros méritos, dá origem ao nome filosofia, o amor à sabedoria. Esse sentimento que provoca o filosofar é o tema de “Como a Filosofia Pode Explicar o Amor”.
O livro debate diversas manifestações de amor –entre casais, pais e filhos, amigos e desconhecidos– e como o assunto intriga filósofos de todas as épocas, de Sócrates e Platão a Harry Frankfurt e Neera Badhwar.
Em entrevista à Livraria da Folha, o autor Paulo Ghiraldelli Jr. falou sobre a importância do amor para os filósofos e à vida cotidiana.
Livraria – O título do livro não é uma pergunta (“Como a Filosofia Pode Explicar o Amor”). A filosofia pode realmente explicar o amor? Alguns capítulos terminam com um parágrafo repleto de perguntas.
Paulo Ghiraldelli Jr. – Escrevi não só para o público leitor. Escrevi esse livrinho também para eu mesmo ler! Sim! Aos 53 anos e estando no terceiro casamento eu precisava rearranjar o amor diante da minha razão e de meu vocabulário. Ao mesmo tempo, vinha sendo cobrado pelos leitores para escrever sobre o assunto. Fiz as duas coisas. Mas não quis colocar o título como pergunta. Pois havia uma pretensão inicial de dar uma resposta positiva, arredondada. Mas, conforme os textos foram ficando prontos e fui chegando ao final do que a editora Universo dos Livros havia solicitado, percebi que não haveria ali um livro arredondado, mas um conjunto de pequenos ensaios que, apesar de positivos, não dariam as facetas talvez esperados por todo e qualquer leitor. Não é um livro para um leitor qualquer. É um livro para um leitor que eu julgo especial, que sabe que o amor talvez não seja apreensível pela filosofia –e nem mesmo pela literatura ou pela poesia– mas que gostaria de continuar tentando sempre ver as possibilidades da razão perante a sensibilidade.
Agora, o leitor não deve se deixar enganar. Coloquei perguntas no final, sim, e elas não são simples retórica. São perguntas que creio que deveríamos fazer. Mas, antes delas, há alguma resposta nos capítulos para elas, há um encaminhamento. Depois, no capítulo seguinte, eu retomo por outro lado as perguntas. A tentativa é olhar o amor com olhos de mosca, com várias facetas.
A filosofia não seria, ela mesma, uma representante do amor? Falar sobre o tema ajuda a elucidar os motivos que impulsionam o homem ao filosofar?
Exato. Essa é uma ideia do livro. Talvez uma ideia megalomaníaca. O filósofo vai escrever sobre o amor e então acaba dizendo que o filósofo é o agente amoroso principal, que amor e filosofia se fundem! Ou seja, megalomania (socrática) e um pouco de egocentrismo (platônico). Platão foi ousado demais ao dizer que a filosofia vinha do amor e era a melhor expressão do amor. Mas, podemos negá-lo? Podemos dizer que a filosofia é o que se tornou hoje, ou seja, aquilo que é, em geral, a filosofia acadêmica? Ora, a filosofia acadêmica, não raro, é uma matéria morta a ser ensinada a alunos mais mortos ainda por professores vestidos de defuntos! Todos nós sabemos que isso é um pouco verdade. Mas, não creio que podemos reduzir a filosofia a isso, não deveríamos fazer apologia dessa verdade. A universidade é importante e a filosofia universitária é uma maneira de preservar conhecimentos que não têm igual. Mas professores que são exclusivamente professores, não filósofos, se obrigam a falar da filosofia de modo neutro. Ora, o amor por definição não é neutro; é amor e, portanto, engajamento. Sendo assim,
para que a filosofia cumpra o destino de seus fundadores, ela precisa de filósofos que não se mantenham sempre como professores. Precisa de filósofos que possam filosofar sem se preocupar em ensinar. Ou seja, precisa de gente que possa amar, isto é, se envolver com a vida de outros de uma maneira fecunda. Falando assim, é algo vago. Mas é que não vou tirar o gosto do leitor em ler o livro e ver como amor e filosofia se arranjam.
Certa vez, Pondé disse que o ciúme é essencial em um relacionamento. É possível amar sem sentimento de posse?
Não sei em que sentido Pondé disse o que disse. Temo o Pondé pelo seu conservadorismo quase que inato e atávico, um tanto reiterativo. Não sei se os conservadores conseguem amar. Como eles falam muito a mesma coisa, acho que nenhuma amante os aguentaria muito tempo. O ciúme é algo que manifesta em quem tem posse ou pensa que tem.
O amor como um engodo da natureza para a procriação e união, tal como proposto por Schopenhauer, deixa o assunto sem graça?
Como pode ver, Schopenhauer estranhamente aparece reduzido no meu livro. Ele é um bom filósofo para ponderarmos sobre o amor, mas é preciso ter certos dotes divinos para tal. Machado de Assis, munido dele, deitou e rolou. Mas Machado era um gênio, o maior gênio da língua portuguesa e, sem dúvida, um rei entre os reis em qualquer idioma. Então, conseguiu fazer do acaso um elemento chave para falar de tudo, até de algo que com o acaso fica antes amargo que doce, que é o amor. Eu sou um simples filósofo. Não tocaria em algo que Machado, um gênio, tocou. Não sou maluco. Agora, quanto ao fato de Schopenhauer ter essa faceta típica do século 19, e achar que a natureza nos chama para acasalar para nos tapear, fazendo realizar-se antes a procriação que qualquer outro fim, realmente deixa a coisa meio chata. Aliás, o século 19 foi um século chato.
O exagero ao amor próprio é preocupante?
De modo algum. Atualmente, o contrário é preocupante. No Brasil, ninguém tem permissão para gostar de si mesmo. Bastou uma pessoa gostar de si mesma e todos os invejosos caem matando, querem que ela se dobre e se torne “humilde”. Na verdade, querem que ela se torne medíocre. Veja a briga dos fanáticos por Lula e por FHC. Brigam não por projetos políticos, mas por quererem que Lula seja mais que FHC e vice-versa. Não entendem que ambos possuem currículos fantásticos, que foram expoentes diferentes, mas foram expoentes –são expoentes. Ora, tanto Lula quanto FHC podem e devem se apresentar em público sem qualquer humildade tola. Mas os adversários de um e de outro querem vê-los reduzidos, não sabem apreciar a vitória do Brasil ao ter tido como presidente dois expoentes em suas trajetórias. O Brasil é um dos países onde mais se cultiva a falta de orgulho individual e a falta de amor próprio. Nosso “baixo clero intelectual”, nas universidades, adora cobrar humildade dos outros. Temos de saber que sempre que alguém nos cobra humildade, apenas quer nos colocar em depressão. Aliás, dizem que Jesus foi humilde. Mas Jesus não era burro para ser humilde. Ele foi, até certo ponto, até arrogante! Mesmo crucificado, disse do povo que o apedrejava: eles não sabem o que fazem! Isso não era humildade. Humildade e falta de amor próprio são um perigo. Povo humilde no sentido de perder o amor próprio individual é um povo que tende a desaparecer.