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Marcos Nobre, da Unicamp

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A análise de Marcos Nobre, em seu livro Ponto final – a guerra de Bolsonaro contra a democracia, se faz sobre dois eixos. Sou simpático ao primeiro eixo e menos concordante com segundo.

O primeiro contém a sua análise de que Bolsonaro governa com o caos e para o caos, colocando-se como o candidato e o presidente antiestablisment. Ele qualifica o caos: a burocracia e os serviços básicos do país, ainda que com qualidade ruim, continuam funcionando. O segundo contém a tese que diz que, sendo Bolsonaro autoritário, quer governar sem democracia, e prepara isso aos moldes de um clima como o criado no pré-1964. Nesse caso, o que Bolsonaro gostaria de realizar seria nada mais nada menos que um governo de tipo ditatorial.

O primeiro eixo pode ser bem exposto com o destaque abaixo. O segundo vem logo em seguida. Após cada destaque, seguem os meus comentários.

Em outro artigo para a revista Piauí, de abril de 2019, procurei mostrar como o fomento permanente do colapso institucional como maneira de governar mostra que há método no caos produzido por Bolsonaro. Ou, mais exatamente, que o caos é o método. Bolsonaro sempre desafiou o “sistema”, ganhou como candidato outsider. Mas foi também como pretenso outsider que atuou desde o primeiro dia de mandato como presidente. Governar para ele seria o mesmo que se render ao “sistema”. Por isso é que Bolsonaro se lançou à reeleição com menos de seis meses no cargo. Por isso precisa estar em campanha permanente. Em campanha contra o “sistema”. Mesmo sendo presidente. Porque Bolsonaro é um presidente antiestablishment, um presidente antissistema. Entender essa expressão paradoxal é fundamental para entender seu estilo de governo. É fundamental para entender como ele se apresenta como a única resposta possível para o caos que ele próprio produz. (Ponto Final)

Eis o segundo eixo.

Bolsonaro sempre apostou em criar um clima semelhante ao pré-1964, com a expectativa de que o resultado possa ser semelhante àquele de um golpe que instaure um regime autoritário. Para isso, utiliza os dois catalisadores do pré-1964: corrupção generalizada do sistema político e a ameaça comunista. Difícil convencer de que a ameaça comunista tem hoje a mesma força que teve no auge da Guerra Fria, mas serviu para mobilizar a parte mais autoritária de sua militância. E a posição de único líder capaz de varrer a corrupção foi decisiva para conquistar o restante de sua base de apoio. (Ponto Final)

Como disse, o primeiro eixo de argumentação é bastante plausível. Mas há dois problemas com o segundo eixo. Não se trata de algo bem ajustável ao primeiro. Se Bolsonaro é um candidato anti-establisment, ele deverá desembocar sua ação em um projeto autoritário que o obrigue, pelo próprio caráter do projeto, a assumir todo o ônus do governo? Um governo autoritário chama as responsabilidades para si, elimina ou cerceia de vez a oposição. Passado não muito tempo, ou governa de fato ou, não governando, não terá a quem culpar. Em nenhum momento o governo da Ditadura Militar, após seu endurecimento pós-68, conseguiu jogar nas costas da oposição – consentida ou contestatória – os mandos e desmandos sobre o país.

Bolsonaro não é alguém que gosta de trabalhar. Menos ainda na administração pública. Trazer mais militares para obedecê-lo (em junho de 2020 há o registo de 6.157, sendo 3029 da ativa, no governo) seria algo bem visto nas Forças Armadas? A Ditadura Militar não fez uma tal opção! Além disso, essa política de caos calculado, seria algo endossado pelos militares? Eles não se tornariam rapidamente vistos como testas de ferro de uma aventura para eles mesmos incompreensível? Quanto tempo alguém fica em um governo que desgoverna e ainda acredita que há um objetivo no governo? Quanto tempo alguém fica em um governo, não sendo extremamente ideologizado como é o caso do “gabinete do ódio”? Os próximos de Bolsonaro aceitam que o governo seja um desgoverno que visa o caos e, enfim, a destruição da Constituição de 1988. Mas, após um tempo, essa luta ideológica não apareceria aos colaboradores menos ideologizados, inclusive e principalmente os militares, como alguma coisa que os estaria fazendo apenas enxugar gelo?

Olhando para os movimentos mais recentes de Bolsonaro, é difícil dizer que ele estaria disposto a continuar com um governo de atitudes caóticas. Seus embates com a lei, por conta das artimanhas de seus filhos e até dele mesmo, o fizeram recuar em termos retóricos. Sua tentativa de escapar de um Impeachment o fez mais calado. Enquanto isso, Paulo Guedes tem avançando com suas reformas neoliberais e, agora, tendo um trunfo para eleições agrada Bolsonaro: a transformação do Bolsa Família, criado por Lula, por um programa até mais abrangente chamado Renda Brasil. Esse programa, aliás, não se põe como financiado por dinheiro outro que não os dos pobres – cortando outros benefícios já ganhos por parcelas dos trabalhadores – e não por dinheiro dos ricos. A reforma tributária oferecido pelo governo ao Congresso, não é progressiva. Não tira dos ricos. E isso satisfaz os homens da Fiesp e colocar o capitalismo financeiro na continuidade de sua atuação como sendo o que realmente regra a vida da nação.

Continuo advogando a tese de que Bolsonaro quer transformar o Brasil em um lugar que ele reconheça como sendo seu, ou seja, um lugar que se pareça, como um todo, ao seu curral eleitoral. Durante trinta anos Bolsonaro se elegeu deputado graças a regiões do Rio de Janeiro em que o estado de recolheu, e tudo passou ao domínio físico e financeiro das milícias, ao domínio ideológico das igrejas evangélicas. Ora, por que o Brasil não poderia ser um país ainda mais desindustrializado, com um povo empobrecido, sem lei e sem cultura, e tendo um grande mercado realizador dos destinos do capitalismo financeiro? Nada impede que esse projeto vingue.

É claro que hoje Bolsonaro não mais está no trabalho de deterioração da República. Ele investe, também, contra a democracia. Mas o faz não como quem quer implantar uma ditadura, mas como quem deixa seus serviçais aprontarem investidas antidemocráticas que, não raro, são feitas para agradá-lo. O caso da atuação do ministro da Justiça, o pastor Mendonça, no serviço de fazer dossiês de funcionários públicos oposicionistas, nada foi senão isso mesmo.

Longe de querer uma ditadura, Bolsonaro prefere uma democracia representativa com liberdade de expressão, na qual ele possa fazer da internet mais um campo do seus espetáculos. Aliás, a democracia representativa não se mostrou um problema para as milícias, mas um apoio. Se democracia é só votar de tempos em tempos, isso até motiva a milícia e as igrejas a uma participação nelas, com evidentes ganhos substancias por conta da chamada “tempo da política” – como é dito no interior do Brasil. “Chegou a época da política”, dizem muitos quando se aproximam as eleições. Nessa hora ,todo tipo de serviço paralelo ao mercado oficial se desenvolve – os serviços lícitos e também e principalmente os ilícitos.

Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]