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Duas fases de Sara Winter

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Todos nós sabemos que o identitarismo é burro. Todavia, nem todos conseguem apontar em que ele é burro. Não raro, nós da esquerda o vemos como um pensamento que não é aquele do racismo ou xenofobismo ou feminismo às avessas (o moralismo que produziu uma Sara Winter). No entanto, quando ele se põe na prática, não é difícil sentir um cheiro de fascismo no ar.

Tomamos o identitarismo como sendo de esquerda, e não sabemos direito como lidar com ele. Ficamos desconfortáveis, uma vez que ele alimenta a reação da direita. É o típico pensamento que foi rotulado pela direita de “politicamente correto”, e que rendeu alguns livros mal feitos, mas relativamente bem vendidos, ao menos em uma época. Gente fraca intelectualmente, por exemplo, como Narloch e Pondé, conseguiram audiência com isso.

Ora, o que é que está errado como o identitarismo?

O identitarismo é a posição que algumas minorias reivindicam para si. Não todas as minorias. Nem todos de uma minoria utilizam o identitarismo. Mas ele existe e faz estragos na esquerda. Grosso modo trata-se da ideia de tomar a identidade de grupo, necessária para viver em sociedade, de modo a desconsiderar a identidade do grupo maior ao qual se está inserido. O identitarismo é o culto da identidade grupal, étnica ou sexual ou de gênero ou de religião etc., como se esta pudesse existir em sobreposição às identidades de grupos maiores, ou, digamos, universais. Falando em termos puramente filosóficos: o particular é assumido como sem o universal, ou no lugar do universal, uma situação de hipostasia que termina por fazer o particular não ter sentido.

Um exemplo americano, querido de John Dewey no passado, e reposto por Hilary Putnam, Rorty e eu mesmo no presente: nos Estados Unidos só se pode ser afro e ter direitos se se reconhecer antes que se é afro-americano. O americano, dizia Dewey, é por essência o americano hifenado. Afro é o particular, americano é o universal. Como americano o negro pode reivindicar direitos para sua condição afro. Sem o termo mais universal “americano” o negro perde o direito de reclamar a Constituição em seu favor. Luther King na luta pelos Direitos Civis percebeu isso.

No Brasil, as coisas ganharam uma situação um tanto ridículas. Certas mulheres pensam que são de esquerda ao invocarem, para tudo, o “mansplaining”. Elas se esquecem que, antes de tudo, elas são humanas e o homens são humanos. Humanos trocam entre si aprendizados. Não necessariamente os humanos, quando se comunicam, estão antes de tudo localizados em um tabuleiro em que gênero e sexo se fixa de antemão. E mesmo quando isso ocorre, a questão que é o assunto da comunicação, está posto ali como uma arma apontada para a cabeça da mulher. Quando isso se perde, pode-se chegar às posições ridículas que sempre vemos por aí: a aluna fraca que reclama de seu professor que corrige sua gramática: “mansplaining” – ela diz isso ao professor. Com isso, faz a “lacração”, e tenta deslegitimar o professor no seu trabalho de corrigir seu texto. O professor se torna “macho opressor” e “tóxico”. Não pode exercer sua profissão. Pode apenas ensinar moços, não moças! Há inúmeros exemplos desse comportamento hoje em dia. Há variações disso, e é sempre o identitarismo o motor dessa forma errada de pensar, falar e agir.

Pessoas que agem dizendo para tudo “machismo”, “misoginia”, “homofobia” etc., certamente não sabem o que fazem. Estão se protegendo. Estão sim de mimimi. Estão sim na beira do fracasso e querem continuar no caminho do fracasso. Agem em grupos para atacar os que querem ajudar, e não as espezinhar. Atacam professores e tudo o mais. Estão sempre na defensiva e não conseguem aprender nada. Transformam-se em promotores de matilhas desvairadas capazes de se afastarem totalmente do pensamento de esquerda e promoverem o ataque de tipo fascista. Já fui alvo dessa gente. Sei o que estou falando. São gente que, passado alguns anos, desaparecem – não viraram nada de bom na vida.

Se o identitarismo não for contido, a direita poderá parar de atacar a esquerda, pois esta se destruirá por si mesma.

Lutei muito pelo sistema de cotas para negros e índios. Mas nunca contei com a ajuda da esquerda. Esta, não raro, queria legitimar as cotas como “proposta educacional” ou de “dívida histórica”, duas posições identitaristas. O discurso não identitarista sempre foi melhor: cotas não são para melhorar a vida do cotista por meio de educação, e nem se trata de indenização histórica, mas antes de tudo é uma política de velocidade de integração e de ampliação do convívio, de quebra de preconceitos.

Deveríamos refletir sobre tudo isso. Mas trata-se de campo minado. Os identitaristas reagem antes de ler e ouvir. A reação deles é fascista. Juntam-se em grupos para decidir, por opressão ao indivíduos, que o discurso diferente deve ser calado.

© 2020 Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo.

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