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Jesus protegia as crianças. A passagem da Bíblia em que Jesus chama as crianças para si, para a sua guarda, é significativa. O pintor Carl Bloch captou o espírito do texto bíblico, mas o crivou pela modernidade. Diferentemente de outros quadros, os comerciais e os de cunho popular, a pintura de Bloch, do século XIX, tem uma nítida abordagem inspirada em Rousseau e, claro, no romantismo (veja a figura acima). A criança é protegida de um suposto pai ou responsável, que parece procurá-la para um castigo. Jesus a defende.

O texto bíblico cuida das relações metafísicas da pureza de alma da crianças e a pureza necessária ao chamado “Reino de Deus”. Este “reino”, no caso, já não mais cultiva a velha ideia justiceira do Antigo Testamento. Essa visão bíblica, da pureza de alma da infância, impregna Rousseau. Mas o texto bíblico não é propriamente normativo, não prescreve uma atenção de necessário cuidado com as crianças, embora possamos saber, por várias passagens, que Jesus era atento para com elas. O quadro de Bloch capta a parte normativa, ou seja, enseja o outro lado da filosofia, o lado moral, prático. Este é o lado acentuado pelo romantismo: preservar a infância. Cuidar das crianças, mas também preservar a infância em todos nós – eis o lema de Rousseau. O adulto não deve nunca deixar de ser criança. Caso abandone completamente a infância, sairá do campo da natureza e adentrará o campo da cultura – o grande flagelo, para Rousseau. Irá passar pela alienação. Então, perderá o estágio do “coração sincero”, crivo da razão, para adquirir a personalidade cheia de jogos de esconde-esconde. O adulto aprende a usar a máscara – como a sociedade nobre usava literalmente – e então aliena-se da capacidade de saber da verdade que guardaria em si mesmo a quatro paredes. Começa a mentir até mesmo a quatro paredes. Seu íntimo é maculado. Ganha uma desonestidade para consigo mesmo e, então, sua razão não será capaz de avaliar o verdadeiro e o falso nas situações que envolvem outros.

Eis Rousseau: ao se corromper subjetivamente, nos perdemos objetivamente. Um cientista desonesto, para Rousseau, diferentente de Descartes, não pode ser um cientista, não é um homem da verdade. A verdade em Rousseau é moralizada, é identificada como honestidade.

O adulto ganha personalidade, a persona, que nada mais é, etimologicamente falando, que a “máscara”. Rousseau trouxe sua crítica social à sociedade dos nobres e dos burgueses que tentavam imitá-los para o campo da metafísica, e viu no homem que vive em sociedade sua corrupção. Viu na cultura que se contrapõe à natureza o nascimento do homem adulto que veste a máscara. Essa máscara é sua perdição. De tanto usá-la, não vê mais a si mesmo, e não vendo a si mesmo deixa sua razão confusa. Assim, a razão perde potência para julgar qualquer coisa.

Preservar a infância, no romantismo, é assim um cuidado especial, de dupla face: cuida-se da criança, e cuida-se do adulto para que ele não perca a infância que nele vive. Rousseau nunca deixou de ser profundamente cristão.

Tudo isso eu coloquei em livros e artigos. Em especial no História da educação brasileira, da Editora Cortez. Um livro para professores e estudiosos, e não para identitários cirandeiros tipo Bagulho Bochecha ou para gente como Augusto Nunes, que são os que jamais compreendem um livro. Aliás, são no máximo leitores de orelhas de livros.

Nesse sentido de Jesus cuidador é que ele, Jesus, foi um “amigo da crianças”. Na língua grega, na antiguidade, o amigo das crianças era um “pedófilo”. A palavra não tinha a conotação que tem hoje, envolta em sexo-enquanto-poder-contra-vulnerável, quando a tomamos como crime, ou em desejo por criancinhas (e somente criancinhas – uma menina que já se parece moça não é atração para o pedófilo, tomado no sentido moderno, patológico), quando a tomamos como estando no campo patológico da parafilias (Veja vídeo sobre parafilias no canal da Mariangela Cabelo, Todos pela Saúde).

Aliás, a conotação moderna desvia a palavra de seu sentido melhor. Pois “filia” não é desejo erótico. Filia tem a ver com philos, de amizade, de querer bem, de proteção (philos + sofia: querer bem o saber, filosofia). Nesse sentido, o pedófilo antigo era um cuidador de crianças. Era um jovem ou um adulto que cuidava de crianças. Jesus foi assim tomado. Ele rompeu com o seu tempo, onde as crianças eram tratadas em termos duros, para anunciar a modernidade que veio com Rousseau, o tempo da infância como aquilo que devemos cuidar. Jesus era pedófilo no sentido do amigo dos vulneráveis. Ele queria cuidar do infante (o que ainda não fala). Qualquer pessoa cristã que leva a sério sua religião, e não é imbecil, sabe disso.

O sentido moderno de “pedofilia” é já o sentido dado pela Era Vitoriana, que sexualizava tudo para, ao mesmo tempo, se horrorizar. O sexo foi punido na Era Vitoriana exatamente porque ele, prometendo ser o lazer portátil, podia atrapalhar o capitalismo em sua sede de jogar todos para um único esforço: o trabalho. Cuidar de crianças? Nem pensar! As crianças estavam sendo postas nas fábricas, o capitalismo as tratava com adultos, como escravos, e era necessário afastar os pedófilos, os seus cuidadores, os seus protetores. Padres e professores, os pedófilos, passaram a ser vistos como pedófilos já nesse sentido de monstros. O capitalismo queria a carne das crianças, e disputou a guarda delas com os que, em nome de Jesus ou do romantismo, queriam cuidar delas, lhes colocar na escola. A luta do capitalismo contra sacerdotes e pessoas dedicadas à infância foi a luta do capitalismo contra essas mesmas pessoas, quando elas protegeram indígenas. Os bandeirantes sabia bem disso.

O sentido de pedofilia que hoje usamos é o sentido que o capitalismo forjou. Maculou o nome para poder eliminar os que, como Jesus, queriam proteger crianças. Os que não podem compreender essas minhas explicações, se insurgiram contra o texto abaixo, que é antigo. Recolo o texto aqui para que os inteligentes, e não Bagulhos e Nunes, tenham as referências corretas. Os Bagulhos e Nunes não poderão entender, pois estão eivados de ódio. Eles são os que perderam a infância. Nunca a tiveram. Nunca conseguem rir.

Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo

Jesus pedófilo?

A palavra pedofilia é uma daquelas que torna muita gente não pensante. Não deveria. As pessoas deveriam pensar justamente quando incomodadas. Mas essa regra não vale. Ao menos não vale com certas palavras, uma delas é essa mesmo: PEDOFILIA.

A palavra é grega e indica quem gosta de criança. Philia indica filiação, amor de amigo ou sócio ou parceiro. Eu me filio a tal clube ou partido, eu venho de tal filiação paterna, sou filiado a tais e tais ideias etc. Não é amor eros ou ágape, ou seja, não se trata de relacionamento erótico ou de amor pelo semelhante como um irmão. Assim, o pedófilo é um amigo da criança, um cuidador, como o pedagogo, embora não seja escravo e nem deva levar criança para a escola, como este fazia. Jesus era evidentemente pedófilo nos termos do mundo antigo. Ele tornou isso claro: “vinde a mim as criancinhas”, disse ele. Jesus gostava de criança.

Seu comportamento, o de Jesus, não era diferente do nosso quando vemos crianças, cães-bebês e decotes femininos – e nesse último caso, exatamente pelo nossos subconsciente nos trazer aconchego. Sorrimos espontaneamente, sem perceber. Uma verdade empírica e estatística. Sorrimos para essas três coisas, e os homens do marketing têm observado esse dado com entusiasmo! No caso dos cães, está provado, eles (e só eles entre os animais) ativam nossa ocitocina, o hormônio que produz leite e tem a ver com a maternidade. Muito provavelmente tivemos uma vida com eles, os cães, primitivamente, antes de os reencontrarmos e os domesticá-los (será que foi preciso?). É muito provável que tenhamos vivido com eles antes deles serem cães e antes de nós sermos humanos. Daí essa relação tipicamente simbiótica. Ora, quando Jesus chamou as crianças, agiu como nós hoje com bebês, cães e decotes. Ficou feliz. Talvez até quisesse dar de mamar às crianças. Muitos pais (homens, sim!) dão de mamar às crianças, pois só a presença e o choro delas desenvolvem glândulas mamárias de adultos sensíveis próximos.

Esses dados sempre aparecem aqui e ali, para justificar premissas filosóficas das do tipo de Rousseau, que apelou para a ficção do “bom selvagem” no sentido de falar de uma “natureza humana” boa. As crianças fazem parte disso, nos deixam alegres. Despertam em nós o nosso lado bom, nossa pedofilia quase que instintiva. Há em nós um Jesus pedófilo, felizmente. Ou seja, em termos não modernos, um Jesus que gosta de crianças.

Após a entrada da modernidade, principalmente com a forte presença do modo de vida burguês e de uma certa grosseria no entendimento do grego e do latim por parte da burguesia, muitos termos foram mudados segundo critérios pouco sábios, tornando-se serviçais do moralismo que, enfim, na Era Vitoriana, deixou para sempre sua marca e sua caricatura. Foi aí que “pedofilia” perdeu a sua evidência como philia e estranhamente ganhou um parentesco inusitado com eros. Gostar de criança, para muitos, deixou de ter conotação eroticamente neutra e passou a ser um ato confundido com o que se deveria dizer de pessoas que não amadureceram, que tiveram disfunções psíquicas, que se mantiveram infantis e, então, buscam se descobrir investigando o corpo do outro, como toda criança faz. Mas, claro, isso é de fato uma disfunção psíquica se ocorre num adulto. O adulto atraído pelo corpo da criança se vê ele próprio como criança. E isso causa uma profunda luta interna na sua alma.

Que exista o célebre “troca troca” entre crianças é normal, mas não que um adulto queira fazer um “troca troca” com a criança, ou seja, o menino ou a menina na idade pré-escolar (na minha terminologia velha, pré-escolar tem menos de 6 anos). É tão normal o descobrimento do corpo entre crianças, e todos sabemos disso que, enfim, já nos cansamos de ver figuras de criancinhas olhando dentro da calça do outro. Meninas se espantando com meninos que, afinal, possuem pipi, e vice versa. É preciso ser uma pessoas muito ignorante e extremamente perturbada para achar que essa atividade entre crianças tem conotação moral ou é perversão etc. Aliás, alguém que pensa assim não deveria ter filhos. Uma pessoa assim é ignorante demais para poder cuidar de criança.

Um adulto com problemas de amadurecimento, pode vir a querer fazer o “troca troca” com crianças. Isso prejudica a criança psicologicamente e, claro, às vezes, fisicamente. O sexo adulto envolve dominação e, por isso mesmo, em determinado momento, objetificação. Dois adultos se objetificando para fazer sexo é uma coisa, um adulto objetificando uma criança é agressão. Uma criança tentando se objetificar ou objetificar o adulto, para cumprir um jogo (sexual ou não sexual) requisitado, também é agressão ou, melhor, auto-agressão. Há marcas e preços futuros quanto a isso. Mas essa situação, só na conta de um total desvio da palavra, deveria ser chamada de pedofilia. Todavia, os médicos começaram a usar o termo moralizado-burguês também. E pegou. Eles vieram a chamar de pedofilia a disfunção psíquica citada. Só que o legislador ocidental, principalmente brasileiro, não deu uma de inculto. Os que confeccionaram nossas leis entraram na tradição histórica e filosófica, e logo perceberam que não poderiam usar a palavra pedofilia, sem devidos cuidados, para casos de abuso sexual. Se assim agissem, iriam prender gente cuja cultura (no sentido antropológico) está aquém (ou além) dessa transformação da palavra e iriam prender também pessoas cujo saber médico atual mostra, antes de tudo, como precisando de tratamento psíquico, não cadeia. Foi assim que o legislador não colocou no código penal, nem vai colocar, a palavra pedofilia. Ou seja, no Brasil pedofilia em si não é crime. Pode ser expressão cultural e/ou pode ser doença. Não se tem de confundir isso com abuso sexual, ainda que em alguns casos o abuso sexual possa ter como agente um pedófilo. Aqui, cada caso é um caso.

Não raro, o abusador sexual de crianças é um abusador sexual do que não é criança. Abusa de mulheres, homens e animais que estiverem fragilizados. Em geral, sua gana é a de poder submeter o outro. O sexo aí funciona como elemento simbólico de submissão, e a questão propriamente sexual, de tirar prazer, só aparece se a dominação se exerce. Não raro, portanto, o abusador infantil pode abusar de mulheres mais velhas ou qualquer outra pessoa que ele possa submeter. Ou seja, o abusador procura o vulnerável, e dentre estes a criança é uma opção.

Claro que em alguns casos o pedófilo, no sentido moderno da palavra, e o abusador estão na mesma pessoa. Mas, na verdade, as estatísticas mostram que o abusador infantil não é pedófilo, e é alguém das imediações da criança abusada, não raro um familiar cujas disfunções de caráter o leva à busca de submeter o mais frágil. Aliás, pessoas ligadas ao fomento do trabalho escravo de criança e à prostituição infantil adoram levantar acusações de pedofilia por aí, justamente porque com isso desviam a atenção para casos esporádicos que atraem o público, e escondem o drama maior no Brasil, que são os maus-tratos em crianças, o uso da criança em todas as circunstâncias que a lei proíbe. Se há uma coisa a se desconfiar no Brasil são as campanhas de caça-pedófilos, em geral levadas adiante por gente com certa afinidade a empresários que não se preocupam nem um pouco com o trabalho infantil.

Agora, que se fique claro, tudo isso, sobre pedofilia, é referente a relações entre adultos e criancinhas. Não entre adultos e jovens ou mesmo pré-adolescentes. Falar de pedofilia entre moças e homens mais velhos, aí já nem cabe conversa, trata-se de algo de pessoas que realmente não sabem sequer consultar um dicionário. Menores para a atividade sexual são menos de 14 anos, perante a lei. A pessoa que cria problema com garota de 17 anos com relacionamento com adultos está, ela sim, com problema grave. (1)

Ninguém vai aconselhar uma pré-adolescente a se envolver sexualmente com homem algum ou vice versa (embora seja comum incentivar os meninos nessa prática de serem “pegadores” de qualquer mulher). Aí não importa a idade. Pré-adolescente não tem a ver com vida sexual. Todavia, dizer que a pré-adolescente não possui atração por pessoas mais velhas, isso é bobagem (e se elas não atraíssem todo tipo de homem, não seriam tão procuradas por agências de modelos). Uma boa parte dessas garotas é atraída pelo protótipo do adulto, ou seja, o garoto de dezesseis ou dezessete ou até dezenove anos. Depois essas meninas crescem, ficam adolescentes, e não poucas ampliam a idade dos parceiros – já não querem mais “Os Menudos”, mas algum ídolo até já meio grisalho. Nesse caso, não há regra. Mocinhas de 15 ou 16 anos namorando pessoas mais velhas, de toda idade, é algo comum na nossa cultura e, no passado entre nós, brasileiros, não era chamado de pedofilia. Claro que não. Até pelo fato de que no passado uma boa parte da classe média tinha frequentado alguma escola pública boa, e sabia consultar ao menos um dicionário. Aliás, era até comum em certos lugares um homem mais velho atrair meninas, ou prometidas pelos pais ou realmente envolvidas com tais homens. A ideia do homem mais velho que leva “tombo” de garota é só ideia. No geral, as garotas se apaixonam pelo mais velho, até pelo mais velho de 50 ou 60 anos. O casal Chaplin é sempre significativo nesse caso.

Bem, está tudo descrito aí, na milésima tentativa de tornar ao menos o meu público leitor mais habilitado para lidar com o público que não é meu, aquele público que não consegue saber como funcionam as palavras.

Paulo Ghiraldelli, 58, filósofo.

(1) Cabe aqui adendo. Nossa lei permite relacionamento amoroso (com sexo) entre maiores de 14 anos e adultos, mas isso não significa “pode tudo depois dos 14 anos”. Ou seja, alguém maior de 14 anos continua sob a proteção de leis que protegem a criança e o adolescente. Por exemplo: há uma série de situações que podem ser interpretadas (e aí surgem os “casos”) como sendo a de prostituição de menores. E isso é crime. Um caso: um homem de 50 anos com uma menina de 16 anos se relacionam de modo consentido, mas ele lhe dá presentes e, em uma hora de complicação do relacionamento, a menina ou alguém inventam de “denunciar” esse homem para a lei, dizendo que ele esteve forçando o relacionamento, como num tipo de prostituição, que coagiu a menina por conta da sua pobreza ou coisa parecida. E mais: simplesmente a moça de 16 anos sai com o homem mais velho e, então, se esquece que continua menor, e consome bebida alcoólica. Ora, eis aí o crime. O maior de idade que a acompanha, ou seja, seu namorado, pode ser posto perante a lei. A troca de fotos pode ser problema. Pois expor o menor por meio de fotos em público dá margem a interpretações da lei perigosíssimas. E por aí vai. Mas, nesses casos, cabe aqui uma discussão filosófica mais ampla, pois remete a tudo que envolve adolescência, que é a situação estranha criada pela modernidade pós-Atenas antiga. Não sabemos o que fazer com o voto, carteira de motorista, o trabalho, a punição etc., na faixa de 14 até 18 anos. O Ocidente criou a infância e adolescência há muito pouco tempo e não sabe regrar a segunda ainda. E talvez não saiba educar a primeira.

PS 1. A idade do consentimento (para relacionamento amoroso) é de 12 anos na Holanda, 13 na Espanha, 14 na Itália, Alemanha e Canadá, 15 na França, 16 na Inglaterra e no Japão, e de 14 a 18 anos nos Estados Unidos (dependendo do Estado). Veja a tabela para mais informações.

PS 2. Abraçar e beijar não é considerado ato sexual e não se sujeita a regras de proibição.

PS 3. Olha o começo, acima: A palavra pedofilia é uma daquelas que torna muita gente não pensante. Não deveria. As pessoas deveriam pensar justamente quando incomodadas. Mas essa regra não vale. Ao menos não vale com certas palavras, uma delas é essa mesmo: PEDOFILIA.

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