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Em debate na TV, em 1989, perguntaram ao proprietário da então toda poderosa Editora Brasiliense, o editor Caio Graco, qual seria o futuro do PRN e do PT. O editor falou profeticamente: o PT faz parte de um projeto maior, que vai durar muitos anos, já o PRN é uma sigla criada às pressas, com interesses ligados a uma eleição somente, e não sobreviverá após o pleito vindouro. Estávamos às vésperas da eleição para presidência, tendo como protagonistas do ensejo Lula e Collor.

O PRN era o Partido da Renovação Nacional, criado por Collor para se candidatar à presidência da República. Não existe mais. Vale algo parecido para o PSL de Bolsonaro. É uma sigla que não foi criada por ele, mas valeu para sua eleição. Logo depois disso, Bolsonaro a abandonou. Ainda é uma legenda enorme, inflada pela eleição do capitão, mas isso pouco importa, todos ali poderiam estar em outros partidos. Correligionários tentaram montar um partido mais afinado com o perfil do capitão e seus filhos, mas a sigla não conseguiu adeptos suficientes. O Aliança pelo Brasil não se viabilizou. Sorte do Bolsonaro.

Por que foi uma sorte? Eu explico abaixo.

No artigo “O fracasso da direita e o futuro do bolsonarismo”, do prof. da UnB André Borges (Folha de S. Paulo, 02/10/20), há um certo lamento teórico a respeito de como que no Brasil a direita não consegue ter um partido. O professor Borges, talvez por formação de doutorado em Oxford, parece querer que o Brasil funcione segundo as regras britânicas e americanas. Nesse campo semântico-geográfico, verifica-se um partido conservador que se contrapõe a um partido de base mais popular, em um jogo democrático balanceado, segundo o que requer – idealmente – a democracia liberal representativa. Todavia, não é esse o caminho da América Latina, em especial no Brasil. E isso não é uma deficiência da direita aqui entre nós, muito pelo contrário. Muito menos é uma deficiência do Brasil, por qualquer ótica que possamos olhar a nossa história.

Nos países de capitalismo mais desenvolvido, ambos os partidos – supondo o bipartidarismo factual – trabalham no interior da proposta capitalista. O partido popular não se contrapõe ao capitalismo, deseja apenas regra-lo para tirar vantagens para os mais pobres. Não é o mesmo que ocorre na periferia do capitalismo. Nesse caso, as tendências políticas que visam a substituição do capitalismo por alguma forma mais radical de socialismo sempre estiveram presentes. Nesse caso, o capital não se tranquiliza. Ele parece sentir que não domina a ótica de todo o conjunto da política. Então, na sua luta por acumulação contínua e incessante, enquanto força não-humana, ele mobiliza suas forças humanas, ou seja, a direita política, de modo que ela se torne mais sorrateira e poderosa. Nesse caso, a direita abre mão de ter um partido fortalecido para se espalhar por todos os partidos que possam acolhê-la. Os setores economicamente dominantes, nesse caso, logo percebem que isso é uma vantagem. Os interesses capitalistas, assim, podem escolher deputados e governantes segundo o que desejam em termos de legislação aprovada, segundo uma ótica do caso a caso. Não precisam ficar reféns de um partido. Caso assim se verificasse, um partido de direita poderia acabar dirigindo o capitalismo. Ora, o capital não quer que os humanos o dirijam, ele quer dirigir os humanos. E os ricos que controlam a política entendem que assim eles realmente podem controlar a política, e que o nascimento de um partido exclusivo para abrigar o conservadorismo acabaria dando poder a alguns ricos, não a todos conjuntamente.

Em outras palavras: após a II Guerra Mundial, ter um partido conservador que viesse a representar a direita, em um país que abrigasse uma esquerda radical, levaria um tal partido a adquirir um perfil fascista, e isso mais atrapalharia que ajudaria a agenda do capital. A agenda do capital, ao menos a partir dos anos setenta, é globalizadora e neoliberal. Mais recentemente, mantendo essas qualificações, ele se integrou a uma invenção capitalista fantástica, a Internet. Esta, por sua vez, associada ao fim de restrições de fronteiras nacionais, tornou o fluxo de capitais pelo mundo alguma coisa essencial para o capitalismo financeiro, que é o hegemônico atualmente.  Ora, um partido de estilo conservador, sendo o único partido de direita ou ao menos o mais decisivo, iria abrigar uma direita menos adepta do liberalismo, mais fanática e militante, capaz de tomar a liderança do partido e transformá-lo em uma agremiação nacionalista, protecionista, controladora da burguesia, e esse partido acabaria por emperrar a acumulação do capital.

É fácil notar isso: se os correligionários mais próximos de Bolsonaro tivessem um partido, ele não seria o DEM (antigo PFL), mas certamente seria algo criptofascista – o perfil sob o qual o Aliança pelo Brasil queria nascer mostra bem isso. Seria um tipo de partido fascista.

Os líderes populistas atuais não abriram mão do neoliberalismo e, por isso mesmo, evitaram construir partidos. Sendo assim, fazem um populismo diferente daquele surgido na direita na época de emergência do fascismo pré II Guerra Mundial. Esses líderes podem até ser fascistas subjetivamente, mas não ousam montar um partido fascista. Isso os afastaria da burguesia e da população, que na verdade se separa das ideologias para ficar com o próprio pretenso contato direto com o seu líder.

Essa ideia de ficar junto do Brasil como um todo, e não com um partido, faz do líder populista alguém que aparece como quem defende o todo, não as partes. Pode receber apoio variadíssimo. Além disso, pode posar de democrata, uma vez que não dita ordens através de um partido. Quem aparece aos olhos populares como ditando ordem, então, é a esquerda. Sobre ela cai a pecha de “autoritária”. A direita fica melhor sem partido. Foi uma vitória de Bolsonaro conseguir se manter sem partido, e não uma derrota. Foi uma sorte dele – e um destino já traçado – seus amigos não terem conseguido montar o Aliança. Aliás, eles próprios notaram que o capitão não tinha interesse nesse partido e não o ajudou em nenhum momento.

Diferente da esquerda, a direita conta com o senso comum da sociedade para fazer valer suas ideias. Um partido comandante dessas ideias iria apenas desgastar a útil ambiguidade dos projetos de direita. Sem partido, os liberais conservadores podem contar com matizes diversos, que vão dos liberais menos conservadores ao fascismo em questões pontuais. O domínio é mais fácil dessa maneira.

© 03/10/2020 Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo

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