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O BBB começou como um reality show comum. Depois, passou a ser uma antessala da revista Playboy. Tornou-se um game, com a entrada de Leifert e a saída do chato do Bial. Mas, então, temia-se pela sobrevivência do programa. A Globo fatura alto com ele, seria loucura abrir mão de tal mina de ouro.
Boninho soube captar não o sinal dos tempos. As pessoas não estão envolvidas no Brasil com os temas identitários. As pessoas comuns modificaram alguns de seus hábitos a respeito de minorias, mas elas não estão falando “todes” ou “meninix” e muito menos achando que a roupa “tomara que caia” não pode receber esse nome porque seria “sexista”. O Brasil não emburreceu de vez! Mas há uma parte da juventude que está envolvida nisso, e que a passos largos emburrece. Há parte da classe média nisso, e tal parte é justamente a parte que fez aparecer um tipo Felipe Neto na mídia, tanto para ser gostado como para ser odiado: inculto mas cheio de opinião. A juventude de classe média é isso: inculta mais cheia de opinião.
Pondé é um tipo de Felipe Neto de barba branca, fingindo ser mais velho do que é realmente, para tentar se diferenciar do garoto. Ele pega a outra faixa etária que se interessa, pela direita, sobre papos a respeito de racismo e sexismo. Ele complementa Felipe Neto, até fazendo contraponto, e deixa ainda sobrar algo para Gabriela Prioli e Karnal. Boninho não esqueceu dessa faixa etária na classe média. Gente que ainda debate o “politicamente correto”.
Há também os Túlio Gadelha da vida, gente que dá importância igual para o governo Bolsonaro e o BBB, e para isso, ou seja, para fazer live e ver TV, ganha trinta mil reais livre. São deputados. Gente assim tem seguidor, ou seja, eleitor enganado. Ora, eleitor enganado pela esquerda, jovem, seria até bom trazê-lo para o BBB, não? Boninho viu a Fátima Bernardes feliz e também trouxe um bando de gente disposta a não se tocar com mil mortos por dia, mas ficar excitadíssimo com o assunto de saber se alguém entra azul no BBB e sai preto ou coisa parecida.
Ao fim e ao cabo, Boninho conseguiu viabilizar o BBB mais uma vez. Havia muita gente apostando que ele não conseguiria. Claro que o programa ficou intragável para quem espera entretenimento e não irritação. Mas, quem disse que a TV de entretenimento em um mundo em que o homem não produz mais valor, mas apenas dinheiro, deveria ser algo saudável? Se o homem deixou de gerar riqueza, e só tem gerado dinheiro e pobreza, por que a TV espelharia riqueza? Por que a TV traria elementos de elevação e de verdade se a vida tem sido levada adiante pelo que Marx chamou de “capital fictício”, o capital portador de juros, e que nada de novo cria, pois não cria valor?
Uma parte da juventude de classe média, está pensando que uma atividade interessante, necessária, é “investir”. Quando eu era jovem, havia uma propaganda do desodorante Avanço: se você usava aquele desodorante, que era para pobre, as mulheres avançavam sobre você. Elas investiam sobre você. Assim prometia a propaganda. Apesar do capitalismo, Eros ainda voava ao nosso redor. Mas agora, a palavra “investir” jamais significa que alguém vai investir eroticamente. Todos perderam seus órgãos sexuais. Uma geração de castrados não pode mais usar o corpo e, então, sentido essa impotência, para não se transformar de fato em hologramas, as pessoas se apegaram a um resto de corpo: a cor.
Sim, o BBB não discute cultura negra, mas cor da pele. O importante é ser “autêntico”. Ninguém sabe o que é isso mais, uma vez que dizem por aí que Bolsonaro é autêntico. Então, resta mostrar que o que se fala está de acordo com o que parte da classe média espera que você fale. Assim, você apresenta a sua cor como sendo aquela chancelada por um discurso que lhe seria próprio para a sua cor. Cada discurso tem uma cor da pele. nesse mundinho. É assim que gente assexuada precisa se apresentar agora. O último berro antes de ser sugado pelos algoritmos e adentrar a rede como um nada, quase igual ao dinheiro que, hoje, é sem lastro e ganhou a volatilidade e a velocidade de sinal magnético na tela.
Estamos vivendo isso: cada jovem se imagina um investidor quando na verdade é apenas um aplicador. Alguém que acha que poderá viver como o dinheiro: reproduzindo-se por divisão celular assexuada, e vivendo no interior de um mundo virtual em que o corpo é representado, mas não existe mais em carne e osso. Viver sem produzir riqueza, fazer sexo virtual, amar sem objeto do amor distinto e portanto amar a si mesmo. Eis as regras que o BBB espelha, e que fazem sucesso diante de um público que já está sob tais regras há vinte anos, a tal geração Z.
Boninho foi um gênio ao captar isso? Ou ele apenas usou de intuição, por ele próprio estar imerso demais nesse mundo?
Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo
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