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Cavalheirismo

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Houve um tempo – que não está tão distante – em que os homens abriam portas de carros para as mulheres e puxavam a cadeira para elas sentarem. Ninguém deixava de presentear mulheres com flores e bombons. Namorada ou avó, tia ou mãe, esposa ou filha, todas eram objeto de devoção. Um cavalheiro era um cavalheiro. Sou desse tempo.

Sou de um tempo em que todos os seres humanos queriam ser reconhecidos. Um tempo que Hegel disse que não tinha tido nem começo e nem fim – era algo da natureza humana. No amor isso se revelava pela ideia da conquista. Muitos chamavam o resultado da conquista de troféu. A palavra “troféu” não era pejorativa. Homens e mulheres sabiam que vencer a batalha de uma conquista era receber a pessoa conquistada para namoro e/ou casamento. O horror não era ser troféu, era jamais ter sido cobiçada como troféu. Os homens tinham que enfrentar dragões se quisessem suas princesas. E as mulheres não tinham problemas em serem princesas.

Essa sabedoria não pertencia à esquerda ou à direita. Ela vinha do cavalheirismo, que estava acima da política. Pedia-se a mão das moças para namorar. Não por se considerar a mulher como propriedade do pai (como o que erradamente foi ensinado depois), mas simplesmente por conta de que o namoro implicava uma convivência na casa dos pais e, enfim, em geral eles eram mais velhos que o pretendente. Havia um necessário respeito pelos mais velhos.

Quando se quebrava com esses preceitos, saía do ar o cavalheirismo e vinha à tona a cafajestice. Havia gente ruim, claro. Falsos cavalheiros cumpriam as regras com as moças ricas, não com as pobres. Mas os homens que atuavam como cavalheiros independentemente de classe social não eram raros. Meu pai e meu avô materno, com quem convivi, eram desse tipo. Para eles as mulheres eram mulheres, se eram pobres ou ricas, pretas ou brancas, isso não as tirava da condição de serem admiradas e ouvidas. Minha avó e minha mãe, ao ficarem viúvas, não quiseram novo casamento. Minha avó dizia e minha mãe ainda diz: “meu marido foi um gentleman, não vou arriscar ficar com uma pessoa que pode não corresponder a tão alto padrão”. Cresci vendo bons exemplos.

Essa cultura foi subvertida quando alguns começaram a achar que todos os homens eram não cavalheiros, mas cafajestes. Um feminino rasteiro e pouco inteligente, que talvez tenha vingado mais que o feminismo das grandes autoras (Simone de Beauvoir à frente – ela chegou a escrever que queria lavar as cuecas de seu namorado americano), tratou o cavalheirismo como sendo uma farsa, algo que não passava de uma mentira que escondia o machismo do cafajeste. Todo homem era cafajeste e a cultura do cavalheirismo foi tomado como mentira para uns e ideologia para outros. Esse foi o passo em falso. Daí para diante, os homens não puderam mais ser homens e as mulheres não puderam mais ser mulheres. Todas as mulheres foram vistas como potenciais vítimas do cafajeste que se escondia sob o rosto de todo homem. Os homens não podiam mais desejar ardentemente as mulheres. E até mesmo o inverso começou a ser a regra: as mulheres começaram a poder desejar ardentemente os homens para, em seguida, também começarem, elas mesmas, a serem proibidas pelo tal feminismo de assim agir. As pessoas foram sendo empurradas para a vida assexuada. Se isso não ocorreu em toda a sociedade, mas ao menos na classe média escolarizada, essa mudança de comportamento se acentuou. E a desgraça é que veio a se fixar na esquerda política. Depois de um tempo essa porcaria virou pré-requesito para ser de esquerda.

A sexualidade foi expulsa da classe média. Mas uma boa parte das moças de classe média não perdeu o tesão. As moças de classe média começaram a procurar ou homens mais velhos ou pessoas de classe popular. Todavia, os mais velhos em geral já estavam casados e os mais novos as enganaram: eles haviam sido arrebanhados por alguma igreja evangélica! Tinham sido conquistados pela ideia do demônio de que a luxúria é pecado.

Isso não quer dizer que o sexo deixou de ocorrer. Na verdade, ocorreu até com mais facilidade. Pois motel é algo que se universalizou. Todavia, transformou-se em algo tedioso, antes uma trombada de corpos que um encontro amoroso ardente. Há relatos que não acabam mais, hoje em dia, de mulheres jovens que gostariam de serem disputadas como troféus, de serem possuídas ardentemente por homens com vigor e tesão. Mas não é isso que encontram. Encontram apenas garotos que contabilizam “ficadas” sem saber nada das mulheres com quem saíram. Algumas mulheres, inclusive, se acostumaram a isso. O sexo se banalizou a ponto de muitos se tornarem até desinteressados. O apogeu do sexo sem erotismo foi justamente a decadência do amor. O feministo assexuado passou a dar as cartas como youtuber!

Nossa sociedade está sem carne. Cada um volta-se para si mesmo, na onda da regra neoliberal. A dessexualização cria o onanismo como prática e o narcisismo como doutrina. As proibições voltaram a imperar. A esquerda e a direita usam dessa nova ideologia do moralismo do feministo e do evangélico para nos tornar insensíveis. E apesar das leis de proteção da mulher e leis contra a violência doméstica terem recebido apoio no mundo ocidental como um todo, essa violência não diminuiu. Não era o cavalheirismo – acusado de machismo – que tinha realmente culpa pelo que de mal ocorria com as mulheres. Ele foi embrulhado no pacote do machismo e, ao ser censurado junto com este, acabou por se tornar algo que ninguém mais tem coragem de assumir.

Ninguém? Eu o assumo. O cavalheirismo não pode morrer. A virilidade benéfica depende dele. As mulheres gostam.

© 2020 Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]