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Há muita gente de direita horrorizada com filme da Netflix que mostra crianças dançando as danças do momento. É muita gente! Por que estão horrorizadas? Elas dizem que o filme “sexualiza as crianças”. Mas dado o horror delas e o modo como expressam esse horror, parece que são elas que sexualizam as crianças.

Quando Xuxa dançava com crianças, Martha Suplicy foi ao Roda Viva da TV Cultura para dizer que aquela geração, a que estava acompanhando a então “Rainha dos Baixinhos”, iria crescer com problemas graves pois estava sendo exposta a uma sexualização precoce. Depois, foi a vez de Carla Perez ser acusada por outras psicólogas e moralistóides. Agora, num Brasil de evangélicos e de bolsonaristas, as danças do momento, especialmente as da periferia ou delas oriundas – com Anitta à frente – causam escândalos nos conservadores atuais. Em todos esses casos, o que não se percebe é que as crianças não estão sexualizando nada, estão se esmerando no uso do corpo, experimentando movimentos, articulações e condição física. As crianças não estão pensando que seus gestos se parecem com gestos sexuais. Elas estão se mirando nos adultos que são aplaudidos por aqueles gestos, e estão tentando copiar e treinar a dança que no momento as moças dançam. Criança adora uma moça!

A minha geração fez a mesma coisa. Garotas imitavam os gestos de Rita Pavone. Quando jovem, vi crianças – e então meninos – imitando os gestos de Ney Matogrosso. A diversão não podia parar. Todos nós que dançamos quando crianças fomos felizes. Infelizes foram as crianças cujos pais ficavam horrorizados com as danças da época. Elvis Presley ensinou-nos a mexer os quadris em gestos que imitavam os do erotismo. Michael Jackson deu sequência. Todos fizemos isso. Todos nós, claro, os saudáveis. Os bolsonaristas não puderam fazer isso quando pequenos. Cresceram problemáticos e, então, viraram bolsonaristas e agora estão no twitter gemendo. Dizem que “criança dançando atrai pedófilo”. Ora, como sabem isso? Essa pergunta os incomoda!

Nunca vi nenhum problema nisso. Mas os conservadores falam em “pedofilia”. Para eles, tudo é pedofilia. Nem sabem direito o significado da palavra, mas sabem que sentem algo estranho no próprio corpo quando se defrontam com a dança infantil. Ora, se eles veem nas crianças dançando algo de sexual, então, temos de concordar, eles é que são os pedófilos. Eu não vejo.

Estou descobrindo aos poucos que a direita é toda ela pedófila e moralista ao mesmo tempo. São pessoas com a sexualidade doentia, que se imaginam fazendo sexo com as crianças, e por isso, temendo a própria reação, falam em sexualização das crianças e na necessidade de proibir as cenas e a vida toda das crianças que querem dançar.

Um indício forte de que o que falo é razoável, é o comportamento de Bolsonaro. Ele insistiu em live em falar sobre sexo, inclusive de um ponto de vista pouco aconselhável, com uma menina de dez anos. E se já não bastasse a gafe e o crime, ele terminou fazendo a apologia do trabalho infantil – o que é outro ato deplorável, que induz ao crime, sendo ele o Presidente da República. A direita não reclamou.

A direita toda vê sexualização em tudo (menos no Bolsonaro) porque ela é incapaz de se relacionar com o próprio corpo de modo saudável. A direita teme o corpo.

A direita é dividida em casos patológicos e casos de desajuste. Creio que uma boa parte dos moralistas que enxergam pedofilia em tudo são realmente doentes, são pedófilos. A parte que sobra não é caso de patologia, mas de desajuste social. Norbert Elias identificou bem o problema. A civilização cria o relaxamento. Aprendemos a sublimação e, portanto, nos mantemos aquém de hiperssexualização. Podemos então gastar nossa energia na vida social. Todavia, os desajustados da civilização são aqueles que foram atropelados pelas mudanças sociais abrupta da modernidade, e não puderam adotar o relaxamento. Não tiveram tempo de percorrer a etapa do autocontrole para a sublimaçao. Estes, então são os passíveis de serem estimulados sexualmente por tudo. Sendo assim, olham crianças e começam a ter desejos! Não podendo se conter, se desesperam e pedem que o poder de governo venha com a censura e os proíba de ver crianças dançando. Mais um pouco daquela visão aterrorizadora e poderiam atacar sexualmente aquelas crianças – então, que o governo faça alguma coisa! Assim se comportam os conservadores. Imploram a repressão de todos porque temem não poderem viver, eles mesmos, sem repressão.

Se fosse diferente, eles ficariam horrorizados com a conversa de Bolsonaro com a Esther, a Youtuber mirim. Mas não ficaram. Eles fazem o que Bolsonaro faz, e isso dentro da própria família. Mas sentem o corpo ter reações estranhas se olham para as crianças, na TV, e as tomam como o objeto de desejo. Os conservadores se pegam, então, no âmbito da pedofilia. Querem fugir. Não podem. A única solução que encontram: que ninguém mais mostre tais crianças.

A direita é isso: pedófila, em algum sentido. Uma parte da esquerda, os chamados feministos  (com “o”) , os identitários, os mimimi, os cirandeiros, acompanham a direita nisso. Aliás, desde o tempo da Martha Suplicy como líder feminista. O moralismo nunca fez outra coisa senão ser uma tentativa de acobertar a tara do moralista.

© 13/09/2020 Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo.

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